Mães de aluguel indianas são colocadas em pensões e sustentadas por família que as contratou
Um anúncio em um site de
classificados de Nova York promete US$ 50 mil para modelos que, além de
serem altas e bonitas, como exige a profissão, também tenham "méritos
acadêmicos". Outro, oferece US$ 14.500 por ano para homens "saudáveis,
com boa formação educacional e disposição para ajudar o próximo". E um
terceiro grupo se dirige a integrantes de comunidades específicas, como
orientais e judeus. Mas as ofertas não são de trabalho.
Os tais anúncios pedem doações de gametas -
óvulos e sêmen - para clínicas de fertilização artificial americanas,
que se conseguirem doadores particularmente "bonitos", ou que sejam um
prodígio nos estudos, por exemplo, podem cobrar mais caro de casais que
precisam de tratamento para ter filhos e estariam interessados nesse
"produto diferenciado".
São a expressão de um mercado
polêmico que vem crescendo nos últimos anos em diversos países,
impulsionado tanto por tendências sociais e demográficas - como o
fenômeno da maternidade tardia e a oficialização de uniões civis
homossexuais - quanto pelo desenvolvimento de novas técnicas de
reprodução assistida.
Desde que o primeiro bebê de proveta foi gerado
na Grã-Bretanha, em 1978, o aprimoramento das técnicas de reprodução
assistida - da fertilização in vitro à inseminação artificial - tem
ajudado um número crescente de casais com problema de fertilidade a
terem bebês.
Mas há muita diversidade na forma como esse ramo
da medicina vem se desenvolvendo em diversas regiões do globo. E alguns
profissionais da área de saúde alertam que em alguns lugares, como a
Índia e certos estados americanos, ele está sendo dominado por uma
racionalidade muito comercial e adotando práticas controversas do ponto
de vista ético, jurídico e médico, como explica Guido Pennings,
professor de bioética da Universidade de Ghent, na Bélgica.
Além disso, justamente por terem essas regras
menos restritivas, alguns desses lugares estão se tornando polos do que
ficou conhecido no jargão popular por "turismo reprodutivo" ou "turismo
da fertilidade" - embora especialistas prefiram referir-se ao fenômeno
como "movimentos transfronteiriços em busca de tratamento reprodutivo".
Apesar de não haver uma estimativa confiável
sobre quanto o turismo reprodutivo movimenta no mundo, clínicas e
agências que prestam esse serviço dizem registrar crescimentos anuais de
10% até 50% no número de pacientes estrangeiros nos últimos anos.
Muitos viajam atraídos por regras mais
"liberais" para o setor em outros países, como Panamá, Israel, Ucrânia e
na Europa, a Bélgica e Espanha, além dos já mencionados Estados Unidos e
Índia. Mas em alguns casos a diferença de preços também é um atrativo.
"Os mercados de serviços ligados a essas novas
técnicas de reprodução assistida estão crescendo bastante ao redor do
globo, mas isso não quer dizer que todos os lugares eles sejam tão
liberais ou influenciados por uma racionalidade mais comercial, como os
Estados Unidos - cada país ou região tem sua própria realidade nessa
área", acredita a socióloga Rene Almeling, professora da Universidade de
Yale, que lançou no ano passado o livro "Sex Cells: The Medical Market
for Eggs and Sperm" ("Células Sexuais: O Mercado Médico para Óvulos e
Sêmen", na tradução livre).
Bebê globalizado
Hoje, um casal brasileiro pode contratar uma
agência americana para implantar um óvulo de uma mexicana em uma mulher
na Índia, Ucrânia ou Rússia por exemplo.
Em alguns estados dos Estados Unidos, uma pessoa
que precise de uma doação de gametas pode escolher um doador como quem
escolhe um carro novo - avaliando desde a cor dos olhos até o QI dos
jovens listados nos catálogos das dezenas de bancos de óvulos e sêmen
que abastecem clínicas de reprodução assistida americanas.
Casais com problemas de fertilidade também podem
contratar uma americana - ou uma estrangeira - para um serviço de
barriga de aluguel na Califórnia. "Mas, se for para a Índia, os custos
desse serviço podem cair para pouco mais da metade", explica Geoff Moss,
vice-presidente da agência americana de turismo médico Planet Hospital,
que, só nas últimas semanas, diz ter sido procurado por três
brasileiros interessados nessa opção.
Rene Almeling diz que o discurso para atrair as mulheres enfatiza o lado altruísta da doação
Os serviços de barriga de aluguel, que têm
assistido a um crescimento expressivo em alguns países, estão entre os
mais controversos do setor. "Até porque é preciso pensar, por exemplo,
nas consequências psicológicas para uma mulher que carrega o bebê de uma
desconhecida", explica Artur Dzik, presidente da Sociedade Brasileira
de Reprodução Humana.
Proibida ou limitada em países europeus, no
Brasil, a prática só é permitida se a mulher que aceitar receber o
embrião for parente de primeiro ou segundo grau dos futuros pais da
criança. Além disso, ela não pode receber compensação financeira em
troca disso.
Os Estados Unidos, a Índia, a Ucrânia e Israel
estão entre os poucos países que permitem ou pelo menos não proíbem o
pagamento para a gestante. Nos Estados Unidos, a prática desenvolveu-se
principalmente na Califórnia.
Na Índia, começou em algumas poucas cidades como
Anand, no início dos anos 2000, mas, hoje, a oferta desse serviço já
pode ser encontrada praticamente em todos os grandes centros urbanos do
país.
Índia
As mães de aluguel indianas são colocadas em
pensões e sustentadas pela família que, em geral, as contrata por meio
de agências. "O que ganham na Índia pode não parecer muito para o padrão
de alguns países ocidentais mas posso dizer que é o equivalente ao que
seus maridos receberiam em três anos de trabalho", afirma Moss, sem
especificar, contudo, qual seria esse valor.
Segundo Moss além do custo ser menor, a opção
pela barriga de aluguel indiana também tem outras vantagens: "Por uma
questão cultural, na Índia, as mulheres não bebem nem fumam. Também é
improvável que no final da gravidez a indiana decida ficar com o bebê
porque a criança terá o biotipo de outra pessoa e não seria aceita em
sua comunidade."
Ele garante que a sua agência oferece todo o
conforto e assistência necessários para que as indianas contratadas
tenham uma gravidez tranquila.
Mas acadêmicos como Amrita Pande, da
Universidade de Cape Town, também descrevem o outro lado desse mercado
em que mulheres de lugares pobres têm bebês para mulheres de países
ricos.
Indianas que aceitam o trabalho, muitas vezes, o
fazem por desespero econômico e acabam estigmatizadas de forma
semelhante ao que ocorre com a prosituição, por exemplo.
Mercado de gametas
Outra prática polêmica é justamente a venda de gametas.
No Brasil e na Europa o comércio dessas células é
vetado e a doação precisa ser "altruísta". Alguns países europeus,
porém, driblam essa proibição permitindo o pagamento de "compensações"
aos doadores - caso da Espanha e da Grã-Bretanha, por exemplo, nos quais
tais compensações hoje são de cerca de 900 euros (R$ 2.290).
Nos Estados Unidos, não há restrições federais a
esse setor - daí os anúncios procurando doadores em jornais
universitários e sites de classificados.
É claro que não é fácil tornar-se um "doador".
Os candidatos precisam passar por testes genéticos e de saúde que
apontam possíveis problemas congênitos e uma porcentagem de até 90% dos
interessados pode ser rejeitada pelas clínicas.
"Em geral, os homens são tratados como
empregados comuns nesse mercado enquanto o discurso para atrair as
mulheres enfatiza que o lado altruísta da doação, ou seja, o fato de que
ela vai ajudar um casal infértil a ter um filho", explica Almeling.
O princípio ético que motiva a proibição do
comércio de gametas em muitos países é o de que a venda de qualquer
parte do corpo poderia ferir a "dignidade humana", como explica Penning.
Para o especialista, porém, permitir que a
mulher tenha todas as informações sobre o doador e até possa
selecioná-lo de acordo com as características que mais lhe interessarem,
como ocorre nos Estados Unidos, não é necessariamente antiético.
"Não faz muito sentido imaginar que só porque
precisa de um tratamento para ter um filho um casal tenha de receber uma
doação tão importante para a vida e futuro de sua família às cegas",
acredita Penning. "Às vezes, oferecer opções para os pacientes não
significa necessariamente impor uma mentalidade comercial ao setor"
Fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/09/120903_reproducao_boom_ru.shtml